Fundações Estatais de Direito Privado: a porta de entrada da privatização do Estado e da mercantilização do Serviço Público
Fundações Estatais de Direito Privado: a porta de entrada da privatização do Estado e da mercantilização do Serviço Público.
O Projeto de Lei Complementar (PLP) 92/07 cria a figura das fundações estatais de direito privado para atuar em todas as áreas de atividades não exclusivas do Estado, regulamentando o inciso XIX do art. 37 da Constituição Federal e abrindo espaço para profundas modificações na estrutura do serviço público e do próprio Estado brasileiro.
As novas fundações terão receitas e patrimônio próprios, autonomia financeira, de gestão de pessoal, gerencial e, principalmente, orçamentária. Isto significa que os recursos das fundações estatais não transitarão pelo Orçamento da União e que elas terão ampla liberdade para captar recursos, celebrar contratos e convênios com órgãos do setor público, do setor privado e do chamado terceiro setor, terceirizar atividades, contratar e demitir trabalhadores pela CLT e comprar e vender toda sorte de serviços, indiscriminadamente. O que as fundações arrecadarem poderá ser utilizado de acordo com seus próprios critérios e prioridades, sem precisar do aval do Tesouro Nacional.
As fundações estatais somente poderão ser criadas ou extintas por Lei Ordinária. O PLP, em sua versão original, lista nove áreas nas quais poderão ser criadas fundações estatais: saúde (incluindo hospitais universitários), assistência social, cultura, desporto, ciência e tecnologia, meio-ambiente, previdência complementar do servidor público, comunicação social e promoção do turismo nacional. Mas com a tramitação do PLP no Congresso Nacional, evidentemente abre-se espaço para que todas as áreas de atuação do Estado - com exceção do aparato policial e judiciário, do fisco, das atividades fazendárias e da diplomacia, que são atividades exclusivas do Estado - passem a ser conduzidas pelas fundações.
Neste sentido, o substitutivo do deputado Pedro Henry (PP-MT), aprovado na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, permite a criação de fundações para atuar também nas áreas de ensino, pesquisa, formação profissional e cooperação internacional. Com isso, as fundações poderão operar também no ensino médio e fundamental e as próprias universidades públicas, escolas federais e IFETs poderão ser transformadas em fundações.
Sob o pretexto de dotar o Estado da agilidade e da "flexibilidade" necessárias para concorrer com o setor privado, a criação das fundações estatais de direito privado representam um aprofundamento decisivo da reforma neoliberal do Estado iniciada nos anos 90, dando continuidade ao processo de privatização do Estado brasileiro ao abrir espaço para delegar progressivamente ao setor privado e ao chamado terceiro setor, pela via das fundações, toda a prestação de serviços públicos a população brasileira.
Seus principais impactos negativos estão listados abaixo:
a) com a criação das fundações estatais de direito privado, a contratação de servidores públicos, em caráter provisório, passará a se dar pela CLT, abrindo espaço para a eliminação do concurso público, da estabilidade no emprego e do RJU, importantes avanços propiciados pela Constituição de 1988 na direção do combate ä utilização patrimonialista do Estado e da necessária profissionalização do serviço público no país. Com isso, não só retiram-se direitos dos trabalhadores, como se abrem as comportas para a utilização corrupta e corruptora do poder público para fins privados, materializada, entre outros pontos, no poder arbitrário de contratar e demitir trabalhadores com o fim de formar redes clientelistas de distribuição de poderes, cargos, recursos e privilégios, como ocorria sistematicamente nos tempos anteriores à CF de 1988.
b) as fundações estatais de direito privado abrem espaço para que se generalize a prática da terceirização na contratação de trabalhadores e de serviços - o que, como demonstra a experiência, tende a se tornar mais um grave foco de corrupção, sobretudo porque as fundações gozarão da mais ampla autonomia administrativa, orçamentária e financeira. Mais do que isso, na medida em que elas terão receitas e patrimônio próprios, autonomia financeira, de gestão de pessoal, gerencial e orçamentária, liberdade para captação de recursos públicos e privados e contratar e vender serviços, as fundações estatais de direito privado dispõem de todas as condições estruturais para se tornarem verdadeiros balcões de negócios, como já ocorre com muitas das fundações privadas ditas de apoio à pesquisa nas universidades públicas.
c) com a criação de fundações estatais de direito privado para atuar em todas as áreas de atividade não exclusiva do Estado, o próprio Estado tende a se dissolver num conjunto fragmentado e descentralizado de fundações de direito privado. Para que a concorrência das fundações estatais com o setor privado na prestação de serviços à população possa se viabilizar, as próprias fundações terão de atuar como verdadeiras empresas privadas. Com isso, não é difícil prever que os serviços públicos prestados a população terão de se converter, de direitos de todos e deveres do Estado, como na Constituição de 1988, em mercadorias as quais terão acesso apenas os que por elas podem pagar.
Estamos assim diante de um imenso retrocesso na história do serviço público e do Estado brasileiro, com graves conseqüências para os servidores públicos e para a população como um todo, que pode tornar-se ainda mais destrutivo a depender das emendas que ainda poderão ser incluídas neste PLP.
Por tudo isso, lutamos pela rejeição do PLP 92/07 e conclamamos as entidades da sociedade civil, os sindicatos, os movimentos sociais, os parlamentares de todos os partidos, os servidores públicos e a população brasileira em geral a juntarem-se a nós nesta luta.
Em defesa do Serviço Público
Em defesa dos direitos dos trabalhadores
Em defesa das funções sociais do Estado
Em defesa do Estado e da Constituição Brasileira
Diga não ao PLP 92/07
Rodrigo Dantas. Professor de Filsofia Política na UnB e 2º vice-presidente do ANDES-SN
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